Mulheres-mães protagonistas da própria história

Eu não tive leite | Meu relato de amamentação

Eu não tive leite | Meu relato de amamentação

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Quando eu estava grávida li críticas a respeito de fórmulas (leite artificial) para bebês e todos eles tinham alguns pontos em comum. Defendiam de forma ferrenha que a amamentação materna é a responsável por algum tipo de conexão mágica, cósmica, única entre a mãe e o bebê; que textos e médicos que defendiam o uso da fórmula – independente da situação – era na verdade uma conspiração da indústria farmacêutica para vender o leite e impedir que as mães amamentassem e perdessem essa oportunidade única de se unir aos filhos; que a amamentação deve ser exclusiva até os 6 meses e exaltavam as mães que amamentavam até os 2 anos de idade.

Era tudo tão feminista, tão empoderador, tanta luta e resistência que eu (no meu planejamento) determinei que minha filha ia mamar até os 2 anos de idade sim, independente do que a sociedade dissesse. E que eu seria a mãe mais “new age” possível. A mãe millenial. A mãe legal. Eu ia sim ser o que chamavam de mamadeira ambulante porque era o que eu desejava: ser tudo o que minha filha precisasse. E o básico que ela precisaria era se alimentar e meu corpo estaria ali para isso.

Com seios tamanho 54 jamais passou pela minha cabeça que eu não faria isso. Só que o universo se encarregou de me mostrar o quanto eu não tenho o controle total sobre tudo. Perto do parto eu notei que eu não tinha leite, mas muitos me diziam que assim que ela nascesse eu teria. E esperei. E ela nasceu. E eu não tive leite.

Assim que a recebi no quarto, colocamos no peito imediatamente. Ela sugava, sugava e… nada. Informei isso à enfermeira e disseram que eu não estava vendo, mas que ela estava mamando. Não tinha leite na boca dela, não escorria nada.

Pensei que tinha pouco leite e que logo ia melhorar. Na verdade eu não tinha nada. Insisti. A enfermeira apertou meu peito tentando me mostrar que eu tinha, mas para a surpresa dela… nada. Ela apertou mais forte, tão forte que me machucou. Saía sangue, saía a minha alma pelo bico. Mas leite que era bom? Nem uma pequena gota.

Meu médico foi chamado. Ele apertou gentilmente e viu o quanto me machucaram. Determinou que era para dar a fórmula para a bebê e que era para me medicar. Indicou um remédio para borrifar no nariz, uma pílula, uma dieta especial.

Foram 4 dias na maternidade e nada de leite. Me senti mal, mas ainda tinha esperanças. Quando cheguei em casa compramos bico de silicone e uma bombinha para estimular, tomei os remédios, borrifei, fiz todas as massagens, dietas, simpatias e receitas caseiras.

Massagem com bucha, cerveja preta, água de macarrão, comer mais, ingerir líquido, fitoterapia, estimular com a bombinha. Dê agora uma dica e saiba que eu fiz. Fiz tudo o que eu podia. Gastei dinheiro, investi energia.

Teve dia em que eu fiquei mais de uma hora puxando os dois seios com a bombinha e obtive 20 mL. Foi quando voltamos ao obstetra e ele me viu toda machucada e disse para eu parar porque se eu não tive leite com tudo isso, então eu não teria mais.

Aquela notícia caiu como um meteoro. Eu já tinha me preparado para um parto natural e acabei em uma cesárea e já me sentia “menos mãe”. “Que droga de mãe eu serei se nem produzir alimento para ela eu consigo?”, pensei de imediato quando recebi essa notícia. Me senti perdida. Me senti um lixo. Me senti a pior mãe do mundo. Me afundei na depressão. E para piorar a minha situação, parentes e desconhecidos me julgavam e criticavam me dizendo que eu deveria aceitar que eu só não amamentava porque é chato, porque dói, porque cansa. Eu não saberia isso. Eu não tive a chance de acontecer.

Ficava olhando para ela dormindo e pedia desculpas. Disse que ela merecia uma mãe melhor. Pensava que jamais teria aquele tal vínculo cósmico que tanto falavam. Era como se eu estivesse condenada a ser uma mãe ruim e me sentia culpada, mesmo que eu tivesse tentado de tudo.

Minha filha foi crescendo e a minha percepção foi mudando. Fui percebendo – especialmente como mãe solo – que eu não tinha perdido a oportunidade de ter vínculo. Que eu só não ia experimentar a amamentação. Que anticorpos viriam com as vacinas, não somente da amamentação exclusiva. Percebi que tinha muito mais além do leite. Demorei muitos anos – 5 para ser mais exata – até entender que eu não tinha motivos para carregar aquela culpa. Que culpa não é algo que uma mãe deve ter. Que eu não abandonei minha filha por não amamentar, mas que eu fui atrás da melhor alternativa possível.

“Mãe, eu estou com você, vai ficar tudo bem.”, ela disse ao pegar na minha mão quando recentemente fui fazer exames de sangue. E de repente eu lembrei de tudo o que eu vivi, o que eu senti e pensei que não perdi vínculo nenhum, mas criei um bem forte por inúmeros motivos. Acredito sim que a amamentação é importante e apoio essa ideia. Mas também me lembro de que cada caso é um caso e que nenhuma mãe nesse mundo é uma mãe ruim porque não amamentou (independente do motivo). Existe muito mais no oceano da maternidade e ninguém deve carregar essa culpa.

Autora

Mãe, cabeleireira, conselheira e blogueira! Tem mais utilidades que um canivete suíço.

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