Mulheres-mães protagonistas da própria história

COLUNA | Sobre maternidade atípica e relacionamentos amorosos

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Não sei se o que eu vou dizer vai chocar alguém, mas em um país com mais de 5,5 milhões de crianças sem o nome do pai no registro, fora as que têm o nome do mesmo no registro mas que ainda assim são abandonadas pelos mesmos, uma enorme parcela de mães de atípicos são diariamente abandonadas pelos genitores de seus filhos as deixando com uma carga de responsabilidade quadruplicada para lidar enquanto ela sacrifica sua vida para fazer o melhor possível em criá-los.

A vida de uma mãe solo já é complicada. Ela deve cuidar integralmente da educação, bem-estar, saúde, lazer dos filhos. Deve acompanhar suas tarefas de casa, ouvir seus lamentos, seus anseios, deve fazer de tudo para fazer os mesmos felizes, além de ter que cuidar de si mesma, trabalhar para sustentar a casa e muitas vezes arcar com a falta de colaboração da pensão ou uma colaboração irrisória de uma média de R$ 200,00 e ainda aguentar ter que ouvir que ela provavelmente está gastando com balada e cabeleireiro ao invés de gastar com a criança. Quando o filho é atípico, isso aumenta significativamente.

Além de tudo isso ela deve levar às terapias, além do pediatra entra neuro, fono, fisiatra, psicóloga, psiquiatra, entra remédios com horários específicos, entra a escola ligando pedindo para buscar porque a criança está em crise, entra estudos por conta com o material disponível na internet para entender o que está acontecendo, entra grupos de whatsapp específicos para tentar aprender a lidar com as deficiências, entra a insegurança financeira de um trabalho empreendedor porque muitas empresas não ficam muito tempo com uma mãe solo de atípico já que elas representam constantes saídas durante o expediente para cuidar do filho, entra o julgamento de uma sociedade inteira que exige uma santidade dessa mãe enquanto a mesma sociedade quer que a gente finja que nossos filhos não existam e mais uma tonelada de coisas que eu passaria dias discorrendo sobre, mas que não é o objetivo agora.

E neste meio, nós mães solo de atípicos precisamos lidar com uma solidão que só nós conseguimos saber como é que é a solidão materna atípica que nos joga em uma ilha completamente isolada do mundo e que nos machuca profundamente porque, mesmo com tudo isso, nós não deixamos de ser mulheres e ter o sonho de sermos felizes na carreira, na vida e em um relacionamento amoroso. E isso é o que eu vim trazer hoje.

Na série How I Met Your Mother, o protagonista Ted fica encantado por Stella, uma mãe solo que não tem tempo para sair e se relacionar com ninguém, já que o trabalho e a filha ocupam a maior parte do seu tempo. Quando ele a chama para sair, ela deixa categórico que NÃO CONSEGUE se relacionar porque ela teria 2 minutos para um encontro, deixando claro que ela se anula como mulher para dar conta de tudo o que ela precisa. Foi então que Ted teve uma ideia: ter um encontro de dois minutos com Stella para que eles possam tentar ficar juntos.

O ponto aqui não é debater sobre o casal Stella e Ted, não é falar sobre a série e quem assistiu ou não e nem o fato de o Ted ser de fato um homem emocionado. Aqui eu quero que você observe isoladamente este vídeo e veja como o Ted, para conseguir sair com Stella, fez acontecer um encontro de 120 segundos e foi muito fofo.

Este vídeo de forma isolada é algo que, para mim, deixa bem claro como é o relacionamento com uma mãe solo, especialmente mãe de atípico. O interessado, que tem sua vida de uma forma que ele pode manejar o tempo e se encaixar na vida da outra pessoa, faz um esforço para estar junto da pessoa que ele de fato quer, independente de como seja isso.

Não é dizer que só um deva se esforçar, só um deva amar, mas entender que uma mãe não pode largar o filho na sala de um psicólogo enquanto ela vai para um almoço com um date, que a mãe não pode deixar de levar o filho ao psiquiatra para ir ao cinema com o date, que uma mãe solo nem sempre tem uma rede de apoio que, de fato, apoie sua decisão de voltar a namorar e nem sempre pode deixar com uma babá pois às vezes o filho não se adapta ou existem riscos da criança ser maltratada ou não tem dinheiro para tal já que tem que arcar com tudo sozinha. São inúmeros fatores que representam uma dificuldade muito grande na hora de uma mãe querer ter um relacionamento novamente, mas que as pessoas muitas vezes ignoram isso ou tratam como falta de vontade em manter um relacionamento.

Obviamente, não estou exigindo que todo mundo faça das tripas coração para se relacionar com as mães, mas não custa não ser uma pessoa sem noção que fica competindo com o filho para ver quem ganha mais atenção da mãe como se isso fosse normal. Uma boa dose de empatia e compreensão é imprescindível a partir do momento em que você resolve se relacionar com alguém que tenha a vida tão complicada quanto a nossa.

Quando um relacionamento começa, precisamos nos adaptar a muitas coisas novas que fazem parte da vida do companheiro e que não faziam parte da nossa. E quando um dos dois tem mais dificuldades que nós, acabamos nos adaptando a isso para que o relacionamento corra bem.

Se você começa a namorar uma enfermeira que trabalhe 12 x 36 e tenha que fazer plantão de sábado à noite, você não vai pedir para ela largar o trabalho para dormir de conchinha com você. Se você namora com um músico que vai fazer uma turnê, não vai pedir para ele não fazer um show na cidade vizinha só para que vocês vão ao cinema no final de semana. Então, por que as pessoas acham que podem exigir da mãe solo que ela deixe de lado o filho e suas necessidades só para que tenham momentos de romance como se o filho não fosse tão importante quanto a sua carreira? Isso vem muito do fato que a sociedade exige que deixemos filhos melhores para o futuro enquanto eles mesmos agem como se as crianças fossem seres descartáveis o tempo todo. O nome disso é hipocrisia mesmo.

Quando você realmente gosta de uma pessoa e de fato quer tentar um relacionamento com ela, caso ela tenha mais dificuldades e compromissos na vida dela, já entre sabendo que os sacrifícios maiores vão ter que vir do seu lado. Ao invés de sair para o motel, pode ser que tenham que ficar na casa dela. Ao invés de ir até aquele restaurante indiano que saiu na TV, pode ser que tenham que pedir a comida em casa. A nossa vida é assim e desde o começo isso é avisado. Não tem motivos para você se achar importante o suficiente a ponto de negligenciarmos nossas crias só porque você quer. Lembre-se de que a última bolacha do pacote geralmente vem quebrada ou então a gente só engole por compromisso para não jogar comida fora, mas já estamos de bucho cheio por ter comido o resto do pacote todo.

Eu sei que não é fácil ler isso e pensar que queremos ficar de pés para o alto no sofá assistindo Netflix, mas acredite, não chega nem perto disso. A responsabilidade de um relacionamento deve ser dos dois e isso inclui responsabilidade com todos os envolvidos, inclusive os filhos de quem se relaciona. Se não for para tratar como uma parte importante, não tem nem por que se relacionar com uma mãe ou um pai.

A vida para nós é corrida, comprometida e complicada e precisamos pensar e analisar um milhão de vezes antes de permitir a entrada de alguém nas nossas vidas. Entradas essas que vão querendo ou não, afetar os filhos, afetar a rotina, afetar todo um comprometimento já planejado e nem sempre teremos esses dois minutos disponíveis para namorar. São muitos cancelamentos, são muitos imprevistos e estamos sempre sujeitos à alteração da programação. Não é porque queremos, é porque temos este compromisso e filhos são prioridades querendo você ou não. Se muitas vezes deixamos para tomar banho de madrugada porque o dia foi intenso, o que te faz pensar que vamos cancelar algo primordial para nossos filhos só para ficar agarradinha com você?

Antes de entrar e dizer “eu quero, eu posso, eu consigo” veja se você realmente quer, pode e consegue. Não seja leviano com uma mãe solo, não dê esperanças de coisas que você não pode oferecer. Dar esperanças e tomar de volta é apenas ser cruel  e o mundo já é cruel demais conosco. Não seja mais um.

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