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COLUNA | A longa jornada pelo direito ao tratamento dos deficientes intelectuais

COLUNA | A longa jornada pelo direito ao tratamento dos deficientes intelectuais

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Antes de começar este artigo quero deixar bem claro que eu tenho a sorte de ter um plano de saúde e, por isso, consigo dar melhores informações para pessoas que têm uma situação parecida com a minha.

Porém, entendo perfeitamente que pelo SUS qualquer processo é mais difícil, longo, cansativo e, muitas vezes, sem sucesso, levando assim à exaustão quem depende do sistema. Logo, não vou comparar dificuldades e nem vir com frases do tipo “Só não consegue quem não quem” porque sabemos que se dependesse do nosso querer as coisas estariam muito diferentes hoje em dia. Mesmo assim, farei o melhor possível para trazer informações para o público em geral na esperança de ajudar todos da melhor forma possível. Sendo assim, sigamos para o artigo.

Há mais de um ano que eu estou em processos para conseguir os direitos à educação e ao tratamento para minha filha com uma grande luta travada contra tudo e contra todos. Depois de tentarmos a psicoterapia por 2 anos, a fonoaudiologia convencional pelo mesmo período, minha filha foi dispensada pelas profissionais que me explicaram que ela precisa de outro tipo de terapia para desenvolver, o conhecido método ABA.

Este método não está previsto no rol da ANS, logo os planos de saúde – principalmente os mais simples o que é meu caso – não cobrem a mesma. Sendo assim, a solução é pagar particular ou fazer o plano pagar, já que é a manutenção da saúde de uma pessoa deficiente e é de extrema importância.

A terapia ABA custa, em média, R$ 200,00 a hora. Com o pedido de um mínimo de 15 horas SEMANAIS, isso custaria R$ 3000,00 por semana, aproximadamente R$ 12.000,00 por mês. Cá entre nós, quantos cidadãos brasileiros têm esse dinheiro só para dar em uma terapia? Uma parcela ínfima da qual eu não faço parte. Por isso, resolvi recorrer ao plano de saúde. Caso você esteja na mesma situação, vou ensinar aqui o caminho das pedras para que você possa conseguir este direito.

PASSO 1: Solicitação do tratamento específico

Para que haja a necessidade do tratamento é necessário que o médico que acompanha seu filho determine o tratamento específico e faça um bom documento de solicitação para corroborar com seu argumento de que existe essa necessidade. Normalmente pessoas com deficiência intelectual, autismo, entre outros, são acompanhados por psiquiatra ou neuro (ou mesmo ambos). É necessário que um médico faça um documento solicitando a terapia específica, com CID, o tratamento que já faz e a necessidade da pessoa.
Exemplo:

Declaro que Mariazinha Joãozinho Joaninha da Silva, CID XYZ de Autismo/Deficiência Intelectual/Síndrome de Down/etc, está em tratamento psiquiátrico nesta unidade, fazendo uso dos medicamentos WXYZ e necessita de no mínimo 20 horas semanais divididas entre as terapias Psicologia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Musicoterapia, Fisioterapia, todas ABA, podendo a quantidade de horas aumentar de acordo com a discricionariedade dos profissionais que a acompanham, para seu pleno desenvolvimento, o mais prontamente possível para que não tenha perdas de difícil reparação.
Atenciosamente
Doutor José João Jacó Medeiros
CRM 123456

É importante dizer que este NÃO É UM MODELO, mas sim um exemplo de um dos documentos que são mais completos. Cada profissional faz o seu próprio modelo, mas aqui eu tenho alguns pontos importantes a serem destacados:

1- O nome completo do paciente
2- O CID (ou CIDs dependendo do diagnóstico)
3- Qual o tratamento clínico que está realizando
4- Os medicamentos em uso
5- O MÍNIMO de horas deixando claro que pode aumentar de acordo com a necessidade informada pelos profissionais: Porque cada vez que precisar aumentar, é necessário fazer um novo processo de solicitação como se fosse do zero e já com o aumento o caminho é menor.
6- A especificação do método (neste caso o ABA foi o exemplo) e de quais terapias são necessárias (não é necessário fazer um documento para cada uma a menos que o plano solicite essa serapação).
7- A necessidade que se comece o mais rápido possível (essa parte é muito importante, já que os planos podem demorar a responder a solicitação).
8- Assinatura, registro e carimbo do médico que o acompanha.

Passo 2: Fazer a solicitação na Central de Atendimento

Para que o plano de saúde tenha a chance de resolver isso da melhor forma possível, é necessário que você entre em contato com a Central de Atendimento do seu plano e faça a solicitação. Atenção: Marque o protocolo da ligação e se puder, grave a mesma.
Eu sei que para muitos parece clichê dizer isso, mas tem muita gente que não anota protocolos de ligação e, vai por mim, os protocolos que a gente não anota são os que a gente mais precisa.

Além disso, existem gravadores de ligação para celular gratuitos. Essa é uma medida que você pode adotar em ligações em que precisa de provas e essa é uma situação (já que tem centrais de atendimento que NÃO fornecem a ligação como eles prometem para o cliente). Caso eles solicitem que você envie algum e-mail ou solicitação pela página oficial do plano, documente TUDO. Tira print, deixa claro que você está enviando e aguardando o prazo de 5 dias úteis de acordo com o decreto que regulamenta o SAC (Nº 6.523/2008) e aguarde esse período.


Um exemplo de solicitação segue abaixo:

“O doutor João CRM 123456 solicitou o mínimo de 20h semanais das terapias Psicologia, Fono, TO, Musico e Fisio todas ABA para a Mariazinha carteirinha nº 987654 com início o mais prontamente possível. Envio em anexo o pedido médico. Aguardo o prazo de cinco dias úteis de acordo com o decreto Nº 6.523/2008. Grata”

Os pontos chave dessa solicitação:

1- Um texto curto porém com os principais pontos da solicitação já que muitos “Fale conosco” têm um espaço curto de poucos caracteres para a solicitação. Portanto, enxugar o texto é primordial. O restante estará em anexo (Dica: baixe um scanner no celular ou scaneie em algum lugar mas deixe o documento legível);
2- Nome e CRM do médico;
3- As terapias e o mínimo de horas solicitado (deixe claro a palavra MÍNIMO);
4- O nome e o número da carteirinha do seu filho;
5- O aviso de que o documento está em anexo para que ninguém alegue que foi uma “solicitação mal feita”;
6- O prazo de 5 dias úteis e o decreto para deixar bem claro que você conhece o seu direito (eu fiquei esperando meses até descobrir isso).
IMPORTANTE: Tire print de TUDO e guarde para sempre.

PASSO 3: A reclamação

Os 5 dias úteis se passaram e nada aconteceu? É hora da reclamação.
Sabe o print e/ou o protocolo? É hora de usar.
Com muita CALMA você vai fazer a reclamação pelo MESMO canal que você enviou a solicitação. Foi pelo telefone? Reclamação por lá. Foi no Fale Conosco? Reclamação por lá. São canais diferentes? Ok, faça onde for orientada. Mas normalmente o canal é o mesmo.
Informe que no dia XX você fez a solicitação das terapias, que ainda não obteve resposta (ou que obteve resposta NEGATIVA) e que você quer abrir uma reclamação contra a falta de resposta ou a negativa. Já o prazo de resposta da reclamação, segundo a ANS, é de 10 dias úteis.

Exemplo:
No dia 31/02/2085 fiz a solicitação (protocolo 147258369) das terapias Psicologia, Fono, TO, Musico e Fisio todas ABA para a Mariazinha carteirinha nº 987654 com início o mais prontamente possível, porém a solicitação não foi respondida/foi negada. Envio esta reclamação e aguardo o prazo de 10 dias úteis de acordo com a ANS.

Os pontos importantes:
1- Dizer o dia em que foi feita a solicitação e mostrar que o prazo já correu (importante: faça a partir do 1º dia pós prazo pois eles podem alegar que o último dia não correu por completo)
2- Número do protocolo para facilitar a localização da solicitação
3- Dizer qual foi a solicitação
4- Repetir para quem foi a solicitação
5- Dizer o motivo da reclamação (solicitação não respondida ou negada)
6- Deixar claro que você conhece o prazo dos 10 dias úteis segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar)
Importante: Printar tudo novamente e guardar número de protocolo

Passo 4: Reclamação na ANS

Caso a reclamação não seja atendida nos 10 dias úteis ou haja uma nova negativa, é hora de partir para a ANS que é a agência que regulamenta os planos de saúde. Embora terapias como ABA e exames como Avaliação Neuropsicológica não constem no rol da ANS, que determina a cobertura dos planos, quando existe a solicitação do médico a ANS é a sua chance de conseguir a cobertura pelo plano. Não é uma garantia de 100%, mas atualmente mais de 90% dos casos estão sendo deferidos em favor dos clientes.  Portanto, o “não” a gente já tem, é hora de correr atrás do SIM.

Você pode ligar no 08007019656 (telefone da ANS) de segunda a sexta, das 8h às 20h, registrar a reclamação no site www.ans.gov.br (porém eu prefiro falar com os atendentes, sempre acho que é melhor assim pois não tem limite de caracteres). Feito isso, é hora de colocar tudo na reclamação. Para fazer a reclamação pelo site é necessário que você se cadastre antes.

Depois de feita a reclamação, anote o protocolo, printe a tela caso seja pelo site e aguarde o prazo dado pela ANS. Normalmente a maior parte das solicitações já é deferida por aí, mas pode ser que você receba uma negativa. A partir daí, o último passo é recorrer à justiça.

Passo 5: Entrar com processo

“Um bom relatório é um bom processo. Um relatório mediano é um processo mediano”. Ouvi isso da advogada que consultei para o meu caso. Ou seja, esteja ciente de que quanto mais informações você conseguir reunir para o seu caso, mais chances de ganhar a causa você tem.

Na justiça, ganha quem tem o melhor argumento, é o que se ouve de muitos advogados por aí. E não deixa de ser um fato: se seu advogado conseguir provar para o juiz que seu filho realmente precisa daquele tratamento, então existe uma grande possibilidade de você ganhar a causa.

Para isso, é importante se lembrar que existe a maior possibilidade de o juiz e os advogados serem leigos no assunto de necessidades especiais e nos fatos médicos. Portanto, a argumentação é importante, para mostrar que é um caso de real necessidade e não algum tipo de luxo. Cada um tem sua área e quanto mais deixar claro, melhor.
Você pode entrar com a defensoria pública, com um advogado pro bono ou um advogado particular caso possa pagar os honorários.

Na defensoria pública você precisa primeiro ligar na defensoria da sua cidade, agendar uma primeira visita e depois seguir os passos do encaminhamento que eles lhe derem.
Um advogado pro bono é um advogado que não cobra honorários, porém ele só ganha caso a causa seja ganha. Por isso eles tendem a cobrar uma consultoria inicial, analisar seus documentos, analisar o caso e o cenário jurídico para o seu caso, para depois dizer se eles pegam ou não o seu caso.

O advogado particular com honorários tende a pegar seu caso (sendo esta a área dele) e você terá que arcar com os custos do processo que tendem a não ser baratos.
Entregando todos os documentos, tendo laudos em mãos, pedidos médicos e todos os protocolos e negativas dos passos anteriores, você pode mostrar para o advogado – e este, por sua vez, para o juiz – que existe uma real necessidade. Quanto mais claros os documentos estiverem, melhor. É bom também que os pedidos não passem de 3 meses de validade (mas não jogue os mais antigos fora, isso ajuda a mostrar há quanto tempo tem essa necessidade comprovada).

Tendo isso, é só entrar com o processo e seguir as orientações que lhe forem dadas.
Pode ser que você receba uma liminar que é tipo um “positivo emergencial”, ou seja, você consegue o tratamento enquanto o caso é julgado e, ao final, o juiz vai determinar se está correto ou não ter o tratamento. Como eu já disse anteriormente, felizmente o cenário está favorável aos pacientes.

Este é o passo a passo do começo ao fim para conseguir algum tratamento ou terapia que seu filho necessite e que o plano de saúde não cubra inicialmente. Caso você receba uma negativa também no processo, é necessário que o médico faça um novo documento, mais completo, mais argumentativo, mais convincente e o passo a passo deve ser feito novamente. Você pode entrar mais de uma vez na justiça até conseguir este direito, mas a luta é árdua, exaustiva  e não tem descanso.

Mas vale a pena, isso eu garanto.

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