Mulheres-mães protagonistas da própria história

Sobre maternidade compulsória e laqueadura

Sobre maternidade compulsória e laqueadura

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Quando eu tive minha filha já sabia que meu relacionamento com o pai dela ia afundar mais rápido que o Titanic e não foi diferente do que eu pensei. Sabendo disso, antes do parto, eu pedi ao meu ginecologista que no momento do parto ele fizesse a laqueadura.

Não importa o que acontecesse na minha vida, a gestação foi tão traumatizante que eu decidi nunca mais ter outro filho. Mesmo estando dentro da lei – já tinha mais de 25 anos – ele se recusou a fazer porque “vai que vocês querem outro”. Isso ainda reforçado com um “até ano que vem” pela equipe insinuando que eu engravidaria assim que acabasse a quarentena, como se eu fosse uma máquina de parir.

Depois de um ano, fui ao plano de saúde e lá pedi a laqueadura. Na entrevista a enfermeira me sugeriu que eu colocasse o DIU mirena e trabalhasse diariamente com essa ideia de “Não posso mais ter filhos”. Afinal eu ainda estava traumatizada e magoada então “vai que…”.
 
Ano que vem, em março, completo 5 anos de DIU e todos os dias pensei em várias situações. Me forçava a olhar para gestantes pensando “e se fosse eu”, lia coisas de grávida, olhava coisas de bebê e só de pensar nisso eu passava mal, de ter enjôo mesmo, de tão traumática que foi a minha.
 
Então, quando chegou no meio deste ano fui até o planejamento familiar e disse “Estou aqui para a palestra da laqueadura”. Ok, ninguém me impediu.
 
Durante a palestra eu comecei a prestar atenção na cultura extremamente machista que temos, quando a laqueadura era explicada reforçando os riscos de falha e também de uma cirurgia, a vasectomia (que é um procedimento bem mais simples) era reforçada a ideia de que NÃO É CASTRAÇÃO.
 
Sem brincadeira, a palestrante precisou reforçar isso umas 10 vezes e ainda teve homem que perguntou se ela tinha CERTEZA daquilo e foi quando um outro rapaz que estava assistindo a palestra que disse que ELE tinha certeza, foi quando o homem sossegou. Ou seja, quando a palestrante, que passa a mesma palestra umas 6x ao dia, falava isso ele teve que perguntar e cá entre nós que coisa absurda ter que afirmar de pé junto para os homens que vasectomia não é castração. Ok, sigamos…
 
Com tudo planejado, preciso passar de novo pela entrevista onde é trabalho deles me fazer desistir. Dessa vez contei que já esperei os 5 anos, que tenho certeza absoluta e quando a enfermeira me perguntou “E se você arrumar um marido que quer ter mais filhos?” respondi “Ele não será meu marido”. Dado isso, ela me deu os documentos e marquei com o cirurgião.
 
Na consulta do pré-operatório, ele me fez mais um questionário e lá vem a pergunta:
 
“E se você arrumar um homem que queira ter seus próprios filhos?” (se referindo a mais um bebê além da minha filha). Eu disse que ele terá que se arrumar com quem queira parir. Ele concorda, marcamos os exames do pré-operatório e a consulta para aprovar a cirurgia.
 
Depois disso, revelo para minha família que é quem vai me acompanhar no pós e me ajudar com a minha filha que ainda é uma criança. E ao invés de me apoiarem, o que eu ouço?
 
“Ah não faz não. E SE VOCÊ ARRUMAR UM HOMEM BOM QUE QUEIRA FILHOS?”
Respondo que se o homem for tão bom ele vai compreender que eu não quis mais ter filhos e que ele já terá uma no kit família que vem comigo.
 
Hoje, quando comentei com uma amiga da família – que praticamente ajudou a me criar – ela disse a mesma coisa: “Vai que você arruma um homem…”
 
Há uns anos atrás eu tive meu último namorado. Tínhamos planos de nos casar e tudo mais, mas ele veio com a bomba. Ele disse que queria ter um filho e eu disse que ele praticamente já tinha uma, que eu não teria mais. Então ele soltou:
 
“Mas eu quero um meu e não UM COM UM SANGUE DE UM IDI*TA”.
 
Cara leitora, insira aqui seu palavrão favorito. Sim, porque eu soltei vários naquele dia e depois disso – mesmo insistindo em um relacionamento que já deu todas as letras que havia falido – acabamos terminando magoados e nunca mais nos falamos (amem).
 
Agora, minhas queridas leitoras, convido vocês a pensarem nisso.
Como é que pode a maternidade ser tão compulsória a ponto das pessoas acharem que para “segurar um ‘bom’ homem” eu preciso abrir mão de uma grande parte da minha vida, pegar outra responsabilidade de criar um ser humano por pelo menos 18 anos, só pra agradar o bonitão? Sim, porque as pessoas estão tão sem noção alguma de que isso é um grande sinal da maternidade compulsória que falam “tenha filhos para agradar o homem” como se falassem “pinte seu cabelo de castanho para agradar seu homem”. Nem cabelo nem filho, você não tem que abrir mão disso por causa de um homem. Homem não é oxigênio, você pode viver (muito bem) sem ele.
 
Indo um pouco mais a fundo, pense em uma coisa: se seu digníssimo namorado quer ter um filho mas não encara o seu como um filho, isso não é amor por um filho e sim uma necessidade da idade da pedra de demonstrar virilidade engravidando uma mulher. Se não tem amor para um que já existe, por que ter para um que você só sonha?
 
Mais ainda, imagine que este homem tão bondoso aí se apaixone e se case com uma mulher que não pode ter filhos. O que ele vai fazer? Assumir que é um perdedor e largar a mulher ou vai vir com aquele discurso poético de “Vamos superar isso juntos eu te amo ficaremos juntos mesmo você não podendo ter filhos, mas eu SEI QUE VOCÊ QUER”. Quer dizer, se a mulher não pode por algum problema – não menosprezando a dor de quem não pode ter filhos biológicos – então ele se torna o Sir Cavaleiro da Armadura Reluzente e resolve ser o melhor marido do mundo por dó da esposa, mas quando a esposa não quer ter filhos, quando a mulher demonstra controle sobre o próprio corpo fazendo uma laqueadura, aí ele larga porque foi uma escolha dela?
 
É engraçado que eles estão loucos para formar famílias, mas a cada dia só aumenta o abandono paterno no Brasil e é por homens que falam que vão fazer isso e aquilo, mas quando a mulher engravida eles são os primeiros a saírem de campo.
 
Eu estou solteira há 4 anos porque nunca passam da conversa quando eu conto que vou fazer laqueadura, que optei não ter mais filhos (não é segredo nem vergonha, conto mesmo que já faz a triagem). E eu estou bem assim, porque não quero ninguém tentando me convencer a tomar tamanha responsabilidade parte II sendo que eu tenho certeza de que não quero ser mãe de novo.
 
Ter filhos não é igual adotar um beta pra vocês criarem juntos. É uma vida humana ali que dura para sempre. Isso não é mimo para se dar de presente. Se quer presentear dá uma cerveja artesanal que acaba em 10 minutos. Filho é para sempre e é trabalho pra caramba.
 
Não tenham medo de se posicionar a respeito disso. Não querer ter mais filhos é um direito seu, a laqueadura está prevista em lei e se você está ciente disso, não abra mão disso por ninguém. Homens podem ser passageiros, mas filhos são para sempre.
 
 
Autora: Pookie Noodlin.

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